Reflexões sobre Pascal na visão de Umamuno
O conhecimento acumulado enquanto arte e ciência, disponibilizado para construções no âmbito das trocas coletivas. O desejo de sentir um espaço ocupado e o sentido de uma produção. Necessidade? Reconhecimento? Desejo de poder? A satisfação das trocas intelectuais, dos pensares! Concordâncias e discordâncias, construções coletivas de pilhas de problematizações. Paisagens admiráveis, mergulhos, sangue, vida, vidas. Existência. O querer. José Ortega y Gasset.
Pretender usar da espiritualidade para conseguir fins materiais sem modificar as relações materiais para que uma nova estabilidade possa proceder desde o campo espiritual é iludir-se de que a religião seja um instrumento de proveito mais do que, sobretudo um incentivo para realizar as coisas que precisam ser realizadas no campo do concreto.
Unamuno faz uma análise da fé pascalina na qual ele nos leva a perceber sua formulação das contradições entre razão e fé que o matemático teria experimentado. Apesar de se opor à postura de Pascal de deixar dobrar-se ao cristianismo, Unamuno fez isso sem a fúria de Nietzsche. Este último quer interferir no futuro formalizando o pensamento dos seus pósteros e à sua virilidade se pode chamar “força”. Por outro lado, Unamuno oferece, apenas, o seu pensar como uma reflexão aberta ao futuro. Sua posição me parece mais libertária, no sentido de que ele não está sendo subjugado, no ato de escrever, pelos seus próprios (re) sentimentos em relação ao passado.
O grande sofrimento de Pascal, segundo as colocações de Unamuno: uma fissura entre razão e fé, fato que em si já se pode considerar uma consideração de respeito humano, coisa que Nietzsche não acata ao declarar que Pascal teria sido sobretudo um derrotado. Em certo sentido essa vivência desintegrada de uma unidade em relação aos níveis mais espinhais da personalidade, constituiu-se no terror do professor Rivail de França, nosso Allan Kardec que acreditou numa supremacia do racional (ciência) sobre a fé, conseguindo uma religião que, por oposição ao cristianismo, transfere o amor sempre à ação prática deificada que ele chamou de caridade. Por aí somente seria possível a salvação e não pela abolição da própria noção de salvação, apesar de não acatar o pecado como um engano, humano, jogando o homem na implacabilidade da lei natural que se refugia sempre na razão. Ter que explicar tudo, ou apenas sentir?
Seria no entanto possível viver cada um dos dois âmbitos, o da razão e o da fé, sem que isso seja causa de tormento como exigiu a circunstância de Pascal. Se no final do século XIX, para não se atormentar, a melhor solução era ficar com a razão, hoje não é preciso se atormentar com esse tipo de questão. A total confiança na razão já é coisa do passado e temos todo o questionamento do pesadelo miserável que a filha dileta da razão, a tecnologia, oferece como divisão a mais cruel para o indivíduo que, não podendo ser ele mesmo em sua liberdade, precisa à muide escravizar-se para sobreviver.
Se o espiritismo kardecista não transcender a racionalidade, ele está morto, pois terá criado um novo dogma que, se teria sido útil ao final do século XIX, se formou uma boa oposição aos fundamentalismos do século XX, agora no século XXI já não tem a menor possibilidade de conduzir o homem a Deus. No nosso século o Deus-Razão está morto, sem qualquer possibilidade de reencarnação. A idéia de Deus precisa se revestir agora de novas abrangências e tolerâncias e não cabe mais a supremacia de uma parte da consciência, a razão no caso, sobre outra. Segundo a lógica racional do espiritismo kardecista, herdeiro do positivismo do século XIX, todos os homens são desgraçados, uma vez que ele acredita que “nada é de graça”, mas resultado concreto da implacável lei de causa e feito. Deus continuaria do seu panóptico vigiando tudo só que agora ele estaria vestido com as roupas da razão e ciência.
Unamuno defende também a razão como teria que fazer um intelectual em 1924.
Sadan morreu segurando o alcorão, pois ele justificaria todas as suas barbaridades. Se Bush fosse enforcado segurando a bíblia, está também não justificaria todas as barbaridades feitas em nome da religião cristã, como, por exemplo, as cruzadas ou a inquisição?
[Paulo Araújo de Almeida]
Estudante de filosofia, mestre em arqueologia pelo MAE/USP e arquiteto.
Proprietário da biblioteca Alcântara Silveira.