Só o fato de criar uma idéia coletiva e colocá-la em prática, mesmo que a realidade com o tempo, a tenha mostrado inviável, já torna o povo russo um colosso. Nossa pobreza permanente nas cidades sul-mineiras e, porque não dizer, hoje no Brasil é não conseguir sequer criar uma idéia coletiva. Vivemos agarrados às idéias individuais, interesses que não conseguem se articular no comum, individualismos que chamamos de direitos e liberdades, que estão sempre criando desavenças, separações e brigas, escravizações entre medidas distintas de poder. Dizemos que isso é hoje uma tendência mundial, mas quanto nós conhecemos o mundo civilizado? Pelo menos aquele que tem uma longa tradição de exercício público e de cidadania?
Aqui aquilo que chamamos de identidade cultural é mais resultado da opressão: a maioria igualmente pobre, partidária de agremiações, subjugada por religiões ou buscando a diferenciação de status pelo poder de comprar e possuir aquilo que os outros tem, o que a força da mídia obriga a gente a pensar que devemos ter a qualquer pena. Não seria por isso que se rouba e mata? Quer-se ter acesso ou criar bons “produtos culturais” para ganhar dinheiro ou status, obter informação que possa equipar o indivíduo-artista para conquistar coisas e posições. Ora, isso não é ter cultura.
         Está na hora de valorizarmos a possibilidade de gozar da vivência de conteúdos sobretudo humanos. Chega de correr individualmente atrás de coisas que, uma vez adquiridas, perdem todo o seu valor pois a mente viciada, então, já estará ligada a alguma outra aspiração de posse. Isso não tem fim nunca e torna a sociedade muito pobre e mesquinha. É como se estivéssemos trocando nossa humanidade pela ansiedade de nos enfeitar com bobagens só porque fomos convencidos de querer assim, sem sabermos que a sociedade deveríamos ser “nós mesmos”, no sentido de garantir uma liberdade de escolher e criar nossos próprios valores. Mais ética e menos aparência.
         Nossas cidades não têm valores próprios, não se preocuparam em criá-los talvez porque na nossa história eles pudessem ser importados de qualquer mascate que aqui tomasse pouso por uma noite.
Gostamos de viver na sombra dos Senhores, da dependência de nos espelharmos nos artificialismos criados não por nós. Estudamos um pouco ou permanecemos analfabetos, mas o pior é que temos uma ridícula tendência a nos acostumarmos com um “carguinho” ou “empreguinho” qualquer, arranjado por um compadre ou conhecido da família. Morremos de medo de ter idéias próprias, de discutir posições, criar condições favoráveis enquanto bem comum e coletivo, pois nos preocupamos mais com a própria pele do que em formar um corpo cultural que tenha uma prática de construir idéias e projetos em parceria, que justamente por isso pudessem ser realmente transformadores.
Ações vazias acontecem quando não existem idéias ou pensamentos significativos por trás delas. Agora, para construir idéias que representem o conjunto dos cidadãos e que possam se transfigurar em programas de ações é preciso um trabalho anterior, a fim de desenvolver diálogos e trocas de reflexões a partir de criações mesmo que sejam individuais a princípio, mas que possam se transformar em seguida num retrato de conjunto.
         É isso que se precisa fazer. Criar espaços públicos de reflexão e trocas de idéias. “Espaços físicos” já existem, mas é necessário aprimorar o que acontece dentro deles para resultar em coisas realmente importantes e transformadoras para a coletividade. Que os cidadãos venham a acostumar-se a dialogar sobre o seu modo de vida, sua constituição a partir do passado, desenhar pretensões para o futuro da coletividade da qual gostariam de participar. Só assim poderemos constituir uma identidade cultural, que não é fruto fortuito do acaso ou das tradições, mas expressão de uma tomada de consciência coletiva e valores comuns.


[Paulo Araújo de Almeida]
25/01/2008
Agente Cultural em Pouso Alegre – MG, estudante de Filosofia, mestre em arqueologia, arquiteto e proprietário da biblioteca Alcântara Silveira.