JUSTO LEGAL E JUSTO NATURAL:
        A partir da concepção de justo político e das características dele, decorre outras duas formas de justo, o legal e o natural.
        O justo natural é aquele que por si só tem razão de ser, independe, portanto, de uma positividade para que ele se torne necessário, pois ele já o é. Recai em todos os lugares com a mesma potência, varia, apenas, pelo fator natural e não por qualquer outro.

        O justo legal é a tentativa de se atingir a prosperidade por meio de leis que regulam o bom uso da prosperidade em proveito de todos. E assim, a positivação daquilo que os legisladores por meio do juízo deles, ou seja, é suscetível de variabilidades, entendem como o valor do justo para a convivência política. A instituição das regras da justiça visa atingir o fim último (felicidade) para o qual ela oferece os meios.
        A instauração de preceitos legais é feita a partir de uma generalidade. Todavia estes devem, por meio de sentenças e decretos, se adequarem ao caso real da maneira como ele for, ou seja, deve levar em consideração especificidades do caso até afim de atender as exigências humanas para o “bem viver”. Essa adequação acentua o caráter não natural dos preceitos legais e demonstra que estes existem por força de convenção.
        Percebe-se que a mutabilidade é característica do justo legal, equiparando-se às demais convenções humanas, variando de local para local. Contudo, diferente daqueles que identificam o justo político com o justo legal permeado dessa mutabilidade, há aqueles que acreditam que existe algo para além do mero entendimento do legislador, que é, pois, o justo natural que encontra sua validade na natureza e é menos variável, o que oferece a ele força, validade e aceitação universais.
         “Portanto, enquanto a justiça legal aponta para a multiplicidade, a justiça natural o faz para a unidade de tratamento de determinada matéria reputada de relevo para a sociedade; enquanto as respostas apresentadas pelo justo legal são muitas, de acordo com cada constituição política que se analisa, a resposta oferecida pelo justo natural é única e homogênea, apesar de mutável” (p.221).
        A dicotomização entre justo legal e natural inicia-se com os sofistas que entendiam as leis como resultado, apenas do entendimento do legislador, portanto variáveis, não podendo, pois, serem de caráter natural. Esse ponto é bastante discutido por Aristóteles.
        Para essa discussão se torna importante o entendimnto aristotélico de “physis”, que é algo pré dado ao espírito humano, é aquilo que faz as coisas serem o que são, não outra coisa, é, portanto, independente da vontade humana. Não é por isso totalmente isento de variações, já que cada coisa carrega em si a potencialidade para realizar-se com perfeição em dado momento, com o vir-a-ser percebe-se o devir da natureza, o que se torna mais facilmente entendível a partir de um olhar teleológico que demonstra que a cada causa sucede uma consequência, ou seja, são atualizações de cada coisa que se diregem a seu bem.
        A partir do conceito de physis, Aristóteles afirma qu o homem é um ser “naturalmente político”, essa afirmação contudo não expressa a convicção de que uma ordem de subordinação política é natural ao homem, mas a de que, pelo contrário, o homem foi naturalmente feito para exercer uma autoridade política e instituir assim a ordem que responde ao fim último de toda associação. Assim sendo, a justiça legal deve ser elaborada tendo como ponto de partida a justiça natural, e mais do que isso, a justiça natural realiza-se com a própria “práxis” da razão em sociedade.

EQUIDADE E JUSTIÇA:
        Há uma grande relação entre os termos “equo” e “justo”, porém não pode identificá-los totalmente, antes deve-se distingui-los naquilo que lhes peculiariza.
        O “equo” é algo para além do justo, por isso mais desejável. De certa forma a justiça (o justo) é tudo o que o bom cidadão prescreve quando está à frente da cidade, assim a justiça antes de ser na política uma qualidade das leis é a virtude do bom legislador; o homem justo serve ao interesse de uma comunidade porque suas outras virtudes poupam-lhe as consequências de uma imperfeição pessoal. O “equo”, por sua vez, é a capacidade do julgador de transferir a justiça da lei para a realidade concreta, evidencia-se aqui a diferença entre a estaticidade das leis e a variabilidade da praxis humana, a equidade é, pois, a correção dos vigores da lei. Ela se torna necessária a partir da percepção de que se do contrário fosse, ocorreria uma situação injusta, dcorrência da não capacidade da lei abranger todos os casos possíveis.
        “Como algo superior a um tipo de justiça legal, e utilizado como corretivo da mesma, a equidade também origina-se na subjetividade como qualquer outra virtude, ou seja, como uma disposição de carater cultivada pelo homem equitativo” (p. 118).
        Assim sendo, a equidade é uma virtude que nasce no seio do homem, na aplicação da lei ao caso, ela funciona como a prudência (phrónesis) e nas relações privadas ela representa a excelência do homem altruísta.

JUSTIÇA E AMIZADE:
        A amizade, em termos aristotélicos cria relações pessoais, unindo duas pessoas que se escolheram e que se amam. O respeito do outro é também o que mantém a amizade. E nesse ponto que percebemos as semelhanças entre justiça e amizade, ora, ambas implicam um certo respeito pelo outro. Todavia, vale perceber que o respeito na justiça não tem a mesma profundeza que na amizade, já que o amor de amizade, ou melhor, a amizade “segundo a virtude” é o encontro de dois amores de benevolência e é ainda, um amor espiritual.
        Do mesmo modo, tanto a justiça como a amizade implicam uma certa igualdade, mas Aristóteles também destaca de forma imediata a diferença que há entre a igualdadade na justiça da igualdade na amizade. A amizade pode unir dois seres entre o qual existe, no ponto de partida, uma desigualdade muito grande, ela realiza uma igualdade proporcional. A igualdade proporcional é, pois, toda diferente da igualdade quantitativa.
        A justiça é assim, mais realizável onde esta presente maior proximidade e afeição de amizade.

JUIZ: JUSTIÇA ANIMADA
        Na teoria aristotélica o juiz (dikastés) é o mediador de todo o processo, incumbindo-lhe colocar os indivíduos desiguais de acordo com a justiça em uma situação de paridade, de igualdade absoluta, servindo-se não de seu arbítrio ou de seus interesses, mas do convencionado e determinado na legislação. A posição do juiz é de imparcialidade e personificação da justiça.
        A justiça corretiva conduz ao retorno das partes ao status quo ante, quando se trate de situação restituível, ou do arbitramento de uma equivalência indenizatória com relação àquilo que seja o objeto da diferença estabelecida entre as partes. Cumpre ao juiz exercitar a justiça corretiva, inclusive aplicando a equidade no julgamento que se firma na lei, no sentido de realmente personificar a justiça.


Leticia Garroni
Quinto Período de Filosofia