SEVCENKO, Nicolau. A Corrida para o Século XXI: no Loop da Montanha Russa. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

Poucos têm uma história de vida como a do historiador Nicolau Sevcenko. Filho de imigrantes russos, da região da Ucrânia, fugidos da perseguição bolchevique, Sevcenko nasceu no Brasil, mais especificamente em São Paulo, em 1952. Dividiu a infância entre o trabalho, o esporte e, é claro, o estudo. “Cada uma dessas atividades me deu uma percepção do mundo bastante diferente, bastante significativa.” Depois de escorregar para o lado da bioquímica, decidiu-se pela história. Graduou-se em 1976, na Universidade de São Paulo, onde é professor titular desde 1999. Hoje, circula entre São Paulo e Londres, onde é membro do Centre for Latin American Cultural Studies, da Universidade de Londres. É também editor-associado de The Journal of Latin-American Cultural Studies, importante publicação da Universidade de Cambridge, Estados Unidos. Autor de obras pioneiras que contribuíram para consolidar o estudo da história da cultura brasileira – como Literatura como missão –, sua obra reflete um intelectual interessado por diversas áreas do conhecimento e um historiador interessado em se comunicar com o grande público, por isso escreve freqüentemente na imprensa, nacional e estrangeira.

Em sua obra “A corrida para o século XXI. No loop da montanha-russa”, de 2001, Nicolau Sevcenko destaca que “nos parques de diversão o que os atraía eram os brinquedos que, ou por submeterem as pessoas a experiências extremas de deslocamento e aceleração ou por lhes propiciarem perspectivas inusitadas, alteravam dramaticamente a percepção do próprio corpo e do mundo ao redor”.

Com as conquistas da eletricidade e da engenharia, com a utilização de matérias-primas como ferro e vidro, e com as potentes ferramentas de comunicação (usando imagem e som), a solução de entretenimento “barato” serviu de excelente ferramenta de contenção de uma massa de trabalhadores que tinha novas temporalidades, com tempo de trabalho e também tempo livre e dinheiro, abertos a novas experiências e sensações e a novas possibilidades de consumo: além de pipoca, cachorro-quente e algodão-doce, os mimos, como ursinhos, buttons, camisetas e bonés, ampliando a presença daquele momento de prazer, lazer e diversão. Saem as bandeiras dos países e entram ícones da “cultura” vendidos nas lojinhas do parque: personagens de desenhos animados e filmes, celebridades, marcas…

Mas os elementos referentes à pós-modernidade são ainda mais visíveis. A pós-modernidade têm como uma de suas características a incerteza sobre o futuro, ao contrario do pensamento moderno. O excesso de histórias interligadas, de línguas e interpretações de Estranhas Ligações , remete ao pensamento de Nicolau Sevcenko sobre quanto a estarmos em um movimento de loop numa montanha russa. Este processo vem se precipitando sobre nossas mentes já há bastante tempo, na modernidade se iniciou o processo, e para evidenciar este fato no filme não é preciso se esforçar muito. A cultura foi reconhecida como fator principal para a orquestrar as relações e ganhou autonomia algo que surpreenderia um dos muitos intelectuais da modernidade e suas previsões de racionalização e subjugação da mesma por fatores antes tidos como mais importantes, tais como o desenvolvimento tecnológico financeiro e organiza-cional (SEVCENKO, Nicolau. 2002).

O primeiro a captar de forma bem clara a interferência da “Revolução Tecnológica” nos modelos comportamentais dos indivíduos é Nicolau Sevcenko. Em sua série de estudos, Sevcenko traça um breve histórico dessa “revolução” e nomeia esse processo histórico de “O loop da montanha-russa”. Isso acontece porque toda a História dos desenvolvimentos tecnológicos ocorridos no período que abarca, principalmente, do século passado até os dias atuais se traduz em momentos em que há grandes progressos (picos de desenvolvimento tecnológico) e momentos de estagnação (períodos em que não se percebe grandes novidades tecnológicas). Esse “alto e baixo” é o que se pode entender como os movimentos de uma montanha-russa. A parte mais importante deste processo tecnológico é, justamente, o que Sevcenko entende como o “loop” da montanha-russa, que seria o período histórico que corresponde à fase da Revolução Microeletrônica. “O loop da montanha-russa”, na visão de Nicolau Sevcenko começaria, na realidade, nos idos do século XVI quando ocorrem os descobrimentos marítimos. Do século XVI até o século XVIII o mundo como um todo passa por uma fase de crescimento quando a um sentimento de otimismo e de expectativa dos sentidos. No século XVIII, o mundo passa a presenciar a Revolução Industrial. Paralelamente a essa revolução, têm-se, também, o movimento científico que o mundo concebe como “Iluminismo” (que se projeta sobretudo no campo da ciência).

A partir do Iluminismo e da Revolução Industrial, o mundo prepara-se para o período que Sevcenko denomina de “período de instauração do Padrão Industrial de vida”. Em 1870, o mundo chega ao primeiro grande “pico” da Revolução Tecnológica, que seria o momento em que se tem o Positivismo (“Ordem e Progresso”) como palavra de ordem nas relações sociais, políticas, culturais, etc. Logo em seguida, o que se tem é uma verdadeira no principalmente, por uma perda de referências culturais e mundiais que, contudo, não se transforma num “vazio” total por conta da descoberta da eletricidade.

No início do século XX, o mundo começa a se preparar para o “loop” propriamente da importante para o progresso tecnológico. Em nome da corrida armamentista, da elaboração de estratégias de guerra cada vez mais ousadas, desencadeia-se as primeiras descobertas eletrônicas que culminam com o surgimento do primeiro computador. A Revolução Microeletrônica estava declarada e os anos de 50, 60 e 70 representam o auge dessa revolução; evidencia-se, aqui, um mundo que começa a se acostumar com as inovações tecnológicas, espaço. O fim desse “loop” concretiza-se na construção de um novo sistema social; vigente, principalmente, nos países ocidentais: o Capitalismo Informacional, que projeta em sua forma mais direta o Revolução Tecnológica tal como é concebida nos dias atuais. Esse Capitalismo Informacional impõe ao mundo um novo padrão de produção industrial (opadrão pós-industrial), que deve privilegiar, sobretudo, os serviços, a comunicação e a informação.

Num segundo momento, Sevcenko estabelece uma mobilidade individual de cada um e a capacidade de visão do ser humano. As tecnologias provocam uma série de mudanças na forma como o indivíduo percebe o mundo; por isso, mais do que nunca, é necessário que se faça um redimensionamento dessa capacidade de visão; é preciso que essa percepção se converta em um caráter multilateral processo de pesquisas tecnológicas.

Esse período é Revolução Tecnológica. As Guerras Mundiais proporcionam que abole a percepção do tempo e obscurece os limites e as referências do relação direta entre as leituras que um indivíduo faz das imagens, dos sons e das informações que lhe são oferecidas são, agora, decisivas para testar seu “grau de mobilidade” e, conseqüentemente, seu “poder social”, segundo a qual “Saber é poder” é, agora, substituída e intensificada por outra mais precisa: “Deter o saber é poder”. Esse processo pode ocorrer de forma inversa também: “Pode quem sabe” e “sabe quem pode”.

Algumas idéias de Nicolau Sevcenko que podem ilustrar muito bem a relação entre as “Novas Tecnologias” e os comportamentos dos indivíduos são as seguintes: primeiro ele trata da questão da tecnologia e da engenharia de fluxos, principalmente das informações (a tecnologia muda a rotina desses fluxos). Por conta dessa mudança, vive-se, agora, numa sociedade em que se privilegia o “ver”, mais que o ouvir e o falar. Justamente por isso é que ocorrem intensas modificações na capacidade de percepção das pessoas; essa percepção deve estar voltada, sobretudo, para assimilação visual das coisas do mundo. Não se pode esquecer que esse fenômeno está diretamente ligado à estrutura econômica e aos fenômenos culturais de cada povo. O ser humano é medido justamente na forma como percebe a economia e a cultura numa associação objetiva com os meios de comunicação e com a Internet.

Em 1968, movimentos estudantis são deflagrados na França por conta de problemas sociais que o país enfrentava na época. Em um desses movimentos, líderes políticos e intelectuais apresentam um “Manifesto contra a mídia”, que seria a principal responsável pela vinculação de idéias equivocadas e deturpadas de sociabilidade.

Destacam-se, aí, um primeiro momento em que a mídia associaria diretamente a condição de “ser” à condição de “ter” (o poder aquisitivo de um indivíduo determinaria seu “status” social) e um segundo momento em que se faria uma associação entre a condição de “ter” com a condição de “parecer”. Dentro desse contexto, o que se privilegia na mídia não passaria de uma “imagem popular” e dessa acepção, se conceberia a indústria do entretenimento (cinema, rádio, TV). Por conta dessa Revolução Tecnológica e Pós-Industrial, as pessoas são obrigadas a perceberem a Cultura como uma mercadoria que, como tal, podem produzir lucros. Mais do que isso, as pessoas devem acompanhar as tendências de mercado e fazer leituras de tudo o que lhes for colocado à mostra.


Bernardo Rafael de Carvalho Pereira
Quarto Período de Filosofia