O Lugar da Metafísica no primeiro e no segundo Wittgenstein
O pensamento de Wittgenstein é conhecido por ser o atestado de óbito da metafísica. A postura da impossibilidade de se falar de metafísica manteve-se nas duas fases de seu trabalho. Pretendo aqui explanar brevemente sobre o porquê da suposta condenação à metafísica no primeiro Wittgenstein e, ao mesmo tempo, discordar dela, pelo menos em parte.
Influenciado por Russell e Frege (e, indiretamente, por Aristóteles), Wittgenstein pretende uma linguagem lógica, exata, livre de ambigüidades. Para ele, a linguagem deve espelhar a realidade concreta do mundo para ter sentido e ser verdadeira. As palavras, assim, devem denotar objetos concretos, acessíveis à experiência sensível. Contudo, o mundo não é o somatório de objetos isolados, mas dos fatos, isto é, dos objetos e das relações que existem entre eles. A um fato deve corresponder uma proposição (no pensamento) e/ou um sinal proposicional (na linguagem). Neste caso, e só nele, dizemos algo que tenha sentido e que seja verdadeiro. A verdade, pois, está neste isomorfismo: a estrutura da linguagem é igual à estrutura do real. Decorre dessa forma de pensar que no caso em que se pense ou diga algo que não corresponda ao real, teremos uma falsidade, uma vez que as relações entre o dito/pensado são diferentes das observadas na realidade.
No caso de nos referimos ou pensarmos em algo que não tenha correspondência concreta (sensível) na realidade, temos um disparate, um absurdo. Sendo assim, todo discurso filosófico, teológico e metafísico é disparatado, não tem sentido. Essa explicação, contudo, pode ser questionada quando retomamos alguns conceitos básicos da metafísica de Aristóteles que, parece-nos, são usados pelo próprio Wittgenstein para inutilizar o discurso metafísico. De fato, Wittgenstein não parece ser tão original em seu pensamento quando vemos que o que faz é, na verdade, redizer algumas coisas que já haviam sido ditas por Aristóteles, mas agora com uma nova roupagem. Assim, por exemplo, o que o Estagirita chama de juízo e proposição, Wittgenstein chama, respectivamente, de proposição e sinal proposicional. Da lógica de Aristóteles temos o conceito de verdade como adequação do intelecto à coisa (por ele chama de “substância”). Para Wittgenstein, a verdade é adequação do sinal proposicional (linguagem) ao fato (a realidade). O diferencial é que, enquanto que para Aristóteles a substância pode ser (e é, por excelência) algo sem matéria, para Wittgenstein, ela (objeto) deve ser obrigatoriamente material. A questão das relações entre as coisas focada por Wittgenstein também não é novidade para Aristóteles: ao falar da substância material, o Filósofo, em sua Metafísica, diz que o ente pode ser dito como acidente e segundo a figura das categorias. O Estagirita elenca então dez categorias, sendo uma delas a de relação. Ora, a relação entre os entes (objetos materiais) é tida como constitutiva do próprio ente já em Aristóteles. A diferença que marca o Estagirita de Wittgenstein é apenas o fato de que o que Wittgenstein considera central – o fato concreto – em Aristóteles é apenas um acidente da categoria de relação. Houve, portanto, somente uma mudança de ênfase. Desse modo, o que Wittgenstein faz, na verdade, não é eliminar a metafísica, mas unicamente suprimir-lhe o “meta-”, ou seja, aquilo que nela se relacione e trate do não-físico, e transformá-la em simples ontologia (que, aliás, já era uma das definições de metafísica dada por Aristóteles: a ciência do ente).
Outro dado que nos leva a questionar a morte da metafísica em Wittgenstein é o fato de que ele precisou fazer uma ontologia do real para só depois fazer filosofia da linguagem. Ora, o que seria conhecer a estrutura da realidade senão fazer metafísica, mesmo que entendida apenas como ontologia? O segundo Wittgenstein, contudo, volta-se para o uso da linguagem. Não se reconcilia, porém, com a metafísica porque, segundo ele, essências não existem. Mas, podemos pensar, não seria a ênfase no uso da linguagem (e, portanto, na interação social) um projeto de ética? Tal ética estaria apoiada, como a clássica, nas bases antropológica e metafísica? Se se desconsideramos o elemento metafísico dessa forma de pensar ético por meio da linguagem, qual poderia ser o seu fundamento? O consenso como proposto por Habermas? Questões para reflexões futuras.
Benedito Fernando Pereira
Licenciado em Letras, Bacharel em Filosofia, graduando em História, pós-graduando em Ensino de Filosofia pela FACAPA.