Reflexões Filosóficas Gadamerianas
Reflexões Filosóficas Gadamerianas na Biblioteca Alcântara Silveira¹
Estar emburricado, “de breque-de-mão puxado”. Negar-se a fazer mesmo o que-se-sabe-fazer. Mais humano por mais desnorteado, pois a formiga não se engana sobre a direção do buraco do formigueiro. Ela não pode resolver não trabalhar no verão, mas o ser humano pode resolver não ir à praia no verão, se ele tem a possibilidade de ir mas não quer.
Um trabalhador nunca é livre e um artista pode ser livre, se ele optar por parar de produzir, se não sobreviver da arte e não encanar demais em formular razões para isso. Uma causa que se já existia só se poderá reconhecer fazendo-a existir. Se o produto passa a ser o mais importante na arte, ela não existe como liberdade, deixa de estar no próprio prazer do processo para apenas poder mostrar o saber-fazer-que-se-quis. A arte que não se fez, no caso, seria a verdadeira arte da liberdade. Se um artista não faz muita coisa em arte durante alguns anos ele morre para o mercado, embora os outros não saibam os porquês de sua atitude, que podem muito bem ser de caráter artístico. Às vezes é preciso parar de produzir para continuar sendo artista.
Toda a biblioteca desaparece quando adormeço na bi-cama. Acordando tomo consciência do mundo de idéias guardadas nos volumes que se ombreiam nas prateleiras. Os livros são entidades, conhecidas, desconhecidas, alguns foram profundamente meditados, seus conteúdos se misturaram aos meus pensamentos e os grifos que neles deixei às vezes são mapas onde me reencontro pensante. Outros apenas folheei, li as orelhas e gozei a expectativa do meu próprio interesse em luta com a disponibilidade de tempo, a liberdade de escolha.
Certa vez um livro ficou magoado por haver sido preterido por um seu vizinho de capa verde, de pequena dimensão e espessura, fruto de um autor com grande capacidade de síntese. Ontem li o que se falou sobre GH no “Dorso do Tigre” e Clarisse Lispector espremida ao lado, na estante etiquetada de romance ficou surpresa por se encontrar alto teor de racionalização em uma obra tirada de uma dimensão criativa.
Concentro em livros específicos, idéias direcionadas, entre cercas, por dias mergulho além da paisagem de estantes e o mundo lá fora não sabe que no segundo andar do deteriorado Edifício Chiarini em Pouso Alegre – MG existe uma biblioteca particular, autores que se acotovelam, amam-se, desconfiam, tomam vida na minha vida de leitor, pensador não original, repassador de idéias como Zezinho de Miloca que teve de “repassar” as laranjas mal chupadas. E dizia-se que ele era parente de Alcântara Silveira.
[Paulo Araújo de Almeida]
Março de 2007
Estudante de Filosofia, mestre em arqueologia, arquiteto e proprietário da biblioteca Alcântara Silveira.
[1] A.S. Reconhecido crítico de literatura em São Paulo nos anos 1950, adepto do personalismo de Mounier e especialista em literatura francesa.
há 16 anos atrás
Primeiro artigo do site e não podia ser melhor.
E esses livros, por certo, iluminam a biblioteca Alcântara Silveira; no cair da noite deve ser um zum zum zum entre eles, imaginando qual será descoberto primeiro e criando promessas de que se for descoberto irá falar dos outros para o leitor.
E ao que me parece, os que tem essa paixão por livros , dão razão as palavras de Calvino «Ler significa aproximar-se de algo que acaba de ganhar existência», mas eu depois de ler sobre essa biblioteca e mesmo sem ainda conhecê-la, o que devo corrigir em breve, penso que só Borges pode falar por mim:
«Tenho a suspeita de que a espécie humana – a única – está prestes a extinguir-se e que a Biblioteca perdurará: iluminada, solitária, infinita, perfeitamente imóvel, armada de volumes preciosos, inútil, incorruptível, secreta»