Sobre o Ateísmo Contemporâneo
Em nossos dias, vemos a perda do valor da dignidade humana estampada – e até promovida – pela mídia. Ora, esse contexto, como um círculo vicioso, decorre do afastamento em relação ao divino e faz com que maior se faça essa distância. Há uma indiferença que anda lado a lado com a instrumentalização do sagrado: Deus é mercadoria. Isso tem colocado o ateísmo, em suas várias formas, como um fenômeno social de massas. Por seu lado, o pensamento religioso sério procura analisar o ateísmo buscando as suas causas e argumentos. Essa compreensão é fundamental para se dar uma resposta eficaz a esse modo de pensar sobre Deus e contrapor-se a ele, argumenta-se.
A exaltação do homem ocorrida na modernidade provocou o seu afastamento da noção do divino. Deus é ou visto como empecilho para a liberdade humana ou como causa da sua situação de limitação. Livrar-se de Deus é a superação desses males, segundo os ateístas. Além disso, como compaginar a noção de um Deus bom e criador de tudo com a existência do mal? A existência do mal tem sido, pois, um dos principais argumentos contrários à existência de Deus. Além desses fatores, vivemos hoje a febre do consumismo e da valorização dos bens materiais: o homem tem buscado realizar-se com as facilidades do dinheiro e não mais pela busca do transcendente. O além passa a ser visto como ilusão simplória diante de uma cultura cientificista que pretende tudo explicar pela técnica. O homem neste contexto se torna cada vez mais individualista e cético diante daquilo que não pode ver, compreender ou possuir. Por outro lado, as religiões não têm cumprido satisfatoriamente o seu papel de pôr em contato o homem com o divino: desvios e abusos de seus membros, inadequação de seus discursos frente às rápidas mudanças da sociedade contemporânea, contraste de valores entre as visões seculares e não-seculares, além de outros fatores, contribuem para o afastamento do homem em relação a Deus. Por minha parte, considero o ateísmo uma crise do homem para com ele mesmo, antes de para com Deus. Todos os argumentos ateus têm como pano de fundo comum uma visão pessimista do homem em relação a si mesmo. De qualquer modo, mesmo o ateísmo ainda é uma forma de relação com Deus, não como proposto por Marx, mas como uma projeção do próprio homem, que quer deixar de ser limitado e que, ao mesmo tempo, procura um sentido para existir e que localiza este sentido não mais em Deus, como fundamento de tudo, mas em outras instâncias mais próximas a ele mesmo. Assim, o ateísmo é também uma forma de crer: creio que não creio, ou seja, o ateísmo se configura, guardadas as devidas proporções, como mais um dos vários sistemas de crença. Olhando desta perspectiva, considero válida a análise do fenômeno, mas não vejo pertinente a emissão de juízos de valor a seu respeito, seja do ponto de vista filosófico, seja do científico, caso contrário corre-se o risco de cair na parcialidade apologética que desloca tanto o emitente quanto o receptor do discurso para longe da via objetiva que deveriam percorrer. Em outras palavras, toma-se o ateísmo como profissão de fé contrária a sua e empreende-se luta contra ela como se faria em relação a outra religião qualquer que destoe das concepções tidas como válidas e verdadeiras pelo analista/observador. Sinto um pouco disto nas análises de Mondin. Logicamente, seu texto, considerando a sua formação cristã, inscreve-se mais no campo da fé do que na frieza da filosofia e da ciência e, neste caso, vai entendido seu posicionamento. Compreender de forma objetiva o ateísmo é entender uma das várias facetas do homem, tanto do ponto de vista da subjetividade, quanto das relações sociais que experimenta. O fenômeno pode, assim, ser visto como sintoma de processos eminentemente humanos que devem ser compreendidos e levados em conta enquanto tais, mais do que uma ameaça ao divino em si. Dito de outro modo, deve-se detestar o pecado e amar o pecador, deve-se zelar do doente e matar a doença.
Benedito Fernando Pereira
Licenciado em Letras (Univás), Bacharel em Filosofia (FACAPA), graduando em História (Univás) e pós-graduando em Ensino de Filosofia (FACAPA).