Segundo Jaeger, a educação formal dos sofistas tem início com Sófocles e o conceito de Paidéia, relacionado com a educação dos meninos. O autor coloca que a noção de areté sempre esteve intimamente relacionada com a questão educativa, sendo que esse conceito, assim como o de educação, sofreu mudanças no sentido de se buscar o melhor meio de se alcançar a areté. Essa noção é vista de modos diferentes conforme o modelo social que se considere: a polis ou a vida campesina. A nova sociedade urbana do tempo tem uma nova areté, mas, para formar o novo ideal de cidadão, foram obrigados a adotar ainda traços do regime antigo de formação. A nova areté não é mais baseada na noção de nobreza de sangue, mas pertence a todos considerados pelo Estado com pertencentes a uma certa estirpe: homens e cidadãos livres da raça ática.

A recente formação do novo Estado grego (século V a.C.) exigia um novo modelo de formação dos cidadãos, uma areté política, que visava dotar o indivíduo intelectualmente, de modo a ter uma boa oratória, a saber convencer e a criar leis. É nesse tempo que nasce, inclusive, a noção que se tem até hoje de cultura, como algo ligado necessariamente à educação. Metaforicamente, é um conceito que liga a formação do indivíduo ao cultivo do solo. Protágoras, por exemplo, tem a idéia de que somente a educação política é verdadeiramente universal, capaz de formar o homem para o Estado, mas de forma integral (humanismo). Segundo ele, “o homem é a medida de todas as coisas”. É a noção de universalidade a base do entendimento de educação para os gregos, a essência da Paidéia.
O ingresso do povo na vida democrática fez com que surgisse a necessidade da formação dos homens gregos, como sujeitos políticos, destinados a serem os novos dirigentes. Segundo o autor, as novas relações entre as necessidades do Estado e a formação do homem que o governaria, especialmente na situação de democracia daquele momento, é um pressuposto básico e necessário para o surgimento da sofística entre os gregos. Com a sofística, dá-se prioridade a uma areté baseada no saber. Além disso, a entrada de Atenas no mundo internacional, fomentou ainda mais a necessidade de uma formação do homem para a política e para o comércio. Toda essa conjuntura social e política da Grécia nesse tempo propiciou o aparecimento do movimento dos sofistas, considerado como o nascimento da educação. Como coloca o autor, a finalidade do movimento não era a educação do povo, mas dos chefes, da elite que governaria. Muitas pessoas não destinadas ao governo, porém, tiveram acesso a essa educação. De seu lado, o Estado não controlava a educação, mas dependia dela. Segundo Jaeger, o homem desse tempo já não podia guiar-se apenas pelo ideal político de justiça como no tempo de Aristides, mas deveriam, além disso, criar as leis do Estado, e para tanto deveriam estar preparados. Neste sentido, a retórica, a argumentação e a oratória se mostravam fundamentais nos seus estudos: a eloqüência era a base da formação proposta pelos sofistas.
Os sofistas foram criticados por Platão justamente porque se propunham ensinar a “virtude” da eloqüência, o que o filósofo considerava impossível, tendo como base a dúvida socrática. De acordo com o autor, os sofistas utilizavam uma multiplicidade de métodos educativos, mas que se resume na formação do espírito do homem: a transmissão de um saber enciclopédico e a cultivação do espírito em vários campos através da poesia, da música e outras forças modeladoras da alma, ao lado da gramática, da retórica e da dialética. A política e a ética eram as raízes da educação sofística. Segundo Jaeger, os pontos comuns entre os sofistas, que, diga-se de passagem, eram bastante diversos entre si, eram o interesse pela retórica, e a arte política. O pragmatismo a que se dedicavam os sofistas na questão educativa, que ia além da formação do indivíduo, mas adentrava as questões de moralidade do Estado, segundo o autor, se não fosse baseado em uma filosofia, correria o risco de cair em um dogmatismo e num relativismo bastante sérios e de conseqüências desastrosas. É por isso, de acordo com o Jaeger, que filósofos como Platão e Aristóteles os condenavam, já que viam aí um tipo de pensamento não-reflexivo por si mesmo e sobre si mesmo. De fato, parecem ter sido poucas as referências a filosofia propriamente dita feita pelos sofistas. Jaeger cita apenas o Teeteto de Protágoras, em que são discutidas questões sobre teoria do conhecimento. Aristóteles também não cita os sofistas em sua Metafísica, ao relatar a historia da filosofia. Desse modo, a atividade dos sofistas era estritamente pragmática: educar para a prática. Enquanto a filosofia do momento buscava centrar seus interesses nos problemas do homem, os sofistas iam buscar nos poetas do passado a base para seus ensinamentos. Não ensinavam, contudo, com a poesia, mas criaram um tipo de prosa artística para atingir seus objetivos de ensino: houve uma racionalização do conteúdo poético.
É com os sofistas que a Paidéia é entendida como uma teoria consciente da educação, segundo o autor, e entra no mundo recebendo um fundamento racional. Os sofistas foram os fundadores do que se entende hoje como a pedagogia. Esta seria uma ciência ou uma arte? Segundo Jaeger, para os sofistas, a educação era entendida como uma técnica. Naquele contexto de individualismo, havia uma tendência geral em se compartimentar todos os ramos da vida social e política em setores de especialização. Também os sofistas sistematizaram um modelo de educação com um objetivo específico de formar o cidadão. Eles entendiam que sua técnica era a mais elevada dentre as técnicas.
A antiga tradição educacional da Grécia era baseada na religião: havia uma mistura de religião e cultura, de modo que não se entendia a formação do homem sem se passar pelos mitos. Os sofistas aparecem com um modelo de educação que rompe com essa tradição, propondo um novo paradigma na educação. Esse é o cerne do humanismo, fenômeno tipicamente grego que focava o homem como objeto e alvo da educação.
Os sofistas nada deixaram escrito que lhes sobrevivesse. Sabe-se que não eram homens de ciência, e que não exerciam atividade literária, já que seu ensino era pragmático, como coloca Jaeger.
Na elaboração do seu método, os sofistas fizeram um estudo de todos os métodos educativos que os precederam, investigaram as condições prévias de toda a educação, o problema da relação entre a natureza e o fluxo educativo exercido sobre o indivíduo. Essa retrospectiva levou-os a concluir que estavam na natureza os fundamentos da educação, através da doutrinação e do exercício, o que deveria criar no homem uma segunda natureza, ou seja, uma formação racionalista. É aí que a natureza humana ganha força em detrimento do modelo antigo. A partir do momento em que o homem passa a ser visto como submetido às leis da natureza, nasce um conceito mais amplo de natureza humana. O sistema pedagógico dos sofistas vai, então, entender o ser humano como uma totalidade de corpo e alma. Essa natureza humana é vista de modo otimista, uma vez que, para eles, o homem está naturalmente voltado para o bem, e qualquer coisa diferente disso, é uma exceção. É nesse contexto de otimismo que encontramos o gérmen do que seria o conceito de lei: o conhecimento do bem faz com que o indivíduo aja bem, enquanto que as práticas más vão ser previstas e castigadas pela lei. Esta funciona, pois, como um sistema educativo.
Esse conceito de direito como educação é algo novo na Grécia, à exceção de Esparta, porque pressupõe o Estado que trabalha no sentido de educar o cidadão por meio das leis.
O processo de educação deveria, segundo Protágoras, iniciar-se com a cultivação do espírito, partindo da alfabetização, passando pela música, e culminar com a educação do corpo, em fase mais avançada, na ginástica. Desse modo, forma-se o homem integralmente. É importante observar, segundo Jaeger, que, para os sofistas, a educação não termina com a saída do aluno da escola, pelo contrário, é aí que se inicia, uma vez que é então que o cidadão terá a oportunidade de colocar em prática o que aprendeu, sobretudo em questões de Estado: é na formulação e cumprimento das leis (atuação na sociedade) que se mostra a areté política. Assim, a educação está intimamente ligada às questões de Estado, mas também à possibilidade de educar a natureza humana, como colocado por Plutarco em sua Educação da juventude. É nesse trabalho que aparece a relação da educação com a cultura, ou seja, a visão do homem como um solo pronto a ser cultivado. Essa noção, embora seja mais antiga do que Plutarco, será retomada na época do Renascimento e se manterá viva até nossos dias, servindo de base para o que se entende como civilização.
Unindo a gramática e a dialética, a retórica tornou-se a base da educação formal do grego, e sua prática passou a ser a praxe do direito entre os gregos, tomando o lugar de antigos métodos jurídicos, como a torturas, os testemunhos e outros. Essas disciplinas eram o fundamento do trivium e do quadrivium, que reuniam as sete artes liberais, juntamente com a aritmética, a geometria, a música e a astronomia. Assim, passa-se a valorizar a formação científica do indivíduo, diferentemente do que ocorria no passado, quando essa formação era considerada cara e inútil.
Desse modo, a ligação da educação com o Estado fez-se forte. Quando houve a crise do Estado, contudo, as técnicas retóricas dos sofistas foram amplamente usadas pelos políticos sequiosos de poder, passando a ser, de certa forma, perigosas para o Estado, principalmente pelas idéias que os sofistas tinham sobre a natureza e sobre as leis. Por esse tempo, temos dois conceitos de justiça: um, segundo o qual há igualdade entre os homens, outro sustentando que não há igualdade. É neste momento que se inicia o cosmopolitismo do helenismo, o que não havia até o século V a.C. Platão é um defensor da igualdade entre os homens de acordo com as leis da natureza, base de sustentação do regime antigo. Calicles opõe ao ideal igualitário da democracia o fato da desigualdade natural entre os homens. Já Hípias entende como limitado o conceito de democracia, e pretende estendê-lo a todos os homens, inclusive aos não-gregos.
Embora contendo idéias que poderiam ser ameaçadoras para o Estado, essas noções sofísticas foram inócuas, já que ficaram restritas a pequenos círculos de intelectuais.
As mudanças que ocorreram nas idéias, sobretudo no que tange à questão das leis natural e estatal, promoveram uma reorganização de leis do Estado democrático, segundo o autor. Essa instabilidade judiciária levou ao relativismo: cada cidadão poderia viver como quisesse, desde que não prejudicasse os demais. Nem todos os sofistas, contudo, aceitavam o materialismo e o hedonismo do tempo.
Jaeger conclui o capítulo dizendo que os sofistas, em suas teorias, não tiveram a originalidade de outros filósofos, mas reitera que tiveram grande importância para o desenvolvimento da educação. A sua genialidade está na sua técnica de educação formal. Seu erro está em não terem levado em conta o papel da ética e espiritualidade na fundamentação da educação. Sua influência se faz sentir até a atualidade.


Benedito Fernando Pereira
Licenciado em Letras (Univás), Bacharel em Filosofia (FACAPA), graduando em História (Univás) e pós-graduando em Ensino de Filosofia (FACAPA).

Palavras-chave: Sofistas. Origem da Pedagogia. Educação na Grécia antiga.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

JAEGER, W. Os Sofistas. In: Paidéia: a formação do homem grego. Tradução Artur M. Parreira. Lisboa: Aster, 1979. pp. 311-354.