Um exemplo: se componho um quadro utilizando como objeto um fragmento de casca de árvore, um fragmento de asa de borboleta, é provável que não se reconheça a casca de árvore, a asa de borboleta, e que se diga: que representa isto? É um quadro abstrato, não é um quadro figurativo.
       Aquilo a que se chama quadro abstrato é coisa que não existe. Não há quadros abstratos nem quadros concretos. Há quadros bons e quadros maus. Há quadros que nos comovem e quadros que nos deixam indiferentes.
       Nunca se deve julgar um quadro por comparação com elementos mais ou menos naturais. Um quadro tem um valor em si próprio, como uma partitura musical, como um poema.
       A realidade é infinita e muito variada. Que é a realidade? Onde começa? Onde acaba? Que dose de realidade deve existir na partitura? Impossível responder.
       Outro exemplo sobre esta questão da realidade: fotografo, com muita exatidão e com uma luz muito forte, uma unha de mulher. Esta unha, muito cuidada, é valorizada como um olho, como a boca. É um objeto que tem um valor em si.
       Depois projeto a unha aumentada cem vezes e digo a uma pessoa: veja aqui, é um fragmento de um planeta em evolução; e a uma outra: é uma forma abstrata.
Ficarão espantadas e entusiasmadas, acreditarão no que digo. Mas, finalmente, dir-lhes-ei: não, o que acabam de ver é a unha do dedo mindinho da mão esquerda da minha mulher. Essas pessoas ir-se-ão embora vexadas, mas nunca mais farão a famosa pergunta: que representa isto?
       Esta pergunta já não tem nenhuma razão de ser. O Belo está em toda a parte, no objeto, no fragmento, em formas puramente inventadas. O que é preciso é desenvolver a sensibilidade para poder discernir o que é belo e o que não é. A inteligência, a lógica, não têm nada a ver em tudo isso.
       Não se explica a arte. É coisa do domínio da sensibilidade, que pode e deve desenvolver-se. (…)


Fernand Léger, Funções da Pintura
São Paulo, Bifel, s.d., p. 72.