Hume utiliza o termo “percepção” para referir quaisquer conteúdos da experiência (…). As percepções ocorrem quando o indivíduo observa, sente, recorda, imagina, e assim por diante, sendo que o uso atual da palavra cobre um leque muito menos vasto de atividades mentais. Para Hume, existem dois tipos básicos de percepções: impressões e idéias.

       As impressões constituem as experiências obtidas quando o indi­víduo observa, sente, ama, odeia, deseja ou tem vontade de algo. Hume descreve este tipo de percepções como sendo mais “vívido” do que as idéias, termo com que o filósofo parece querer afirmar que as impres­sões são mais claras e mais pormenorizadas do que as idéias. As idéias, por sua vez, são cópias das impressões. Trata-se dos objetos do pen­samento humano quando os indivíduos recordam a sua experiência ou exercitam a sua imaginação.

       Assim sendo, neste preciso momento, por exemplo, tenho uma impressão da minha caneta a movimentar-se pela página e de ouvir alguém a virar as páginas de um livro, atrás de mim, na biblioteca. Tenho, ainda, uma impressão da textura do papel a tocar na minha mão. Estas experiências sensoriais são vívidas, visto que seria difícil conven­cer-me de que me encontro apenas a recordar experiências passadas ou a sonhar. Mais tarde, enquanto estiver a escrever estas linhas no meu computador, lembrar-me-ei, sem dúvida, deste momento e recordarei as minhas impressões. Nessa altura, estarei a ter idéias e não impres­sões, idéias que não serão marcadas pela mesma vividez (ou “vivaci­dade”, para usar a terminologia de Hume) que caracteriza as impres­sões sensoriais que estou a sentir neste momento e das quais as idéias serão cópias.

       Hume reformula a asserção de Locke de que não existem idéias inatas, sob a forma todas as idéias humanas são cópias de impres­sões. Por outras palavras, é impossível aos seres humanos ter uma idéia de algo que não tenha primeiro experimentado enquanto impressão.

       Como lidaria, então, Hume com a capacidade de um indivíduo de imaginar uma montanha dourada embora nunca tenha visto uma e, logo, nunca tenha tido a impressão de uma? A resposta do filósofo baseia-se numa distinção entre idéias simples e complexas. As idéias simples derivam de impressões simples. Trata-se de idéias de coisas como a cor e a forma, idéias que não podem ser divididas em partes mais pequenas. As idéias complexas são combinações de idéias sim­ples. Deste modo, aquela idéia de uma montanha dourada nada mais é do que uma idéia complexa composta pelas idéias mais simples de “montanha” e de “dourado”. E estas idéias simples derivam, em últi­ma análise, da experiência tida pelo indivíduo de montanhas e de objetos dourados.

       A comprovação da crença de que todas as idéias humanas derivam de impressões anteriores é constituída pela proposta de que qualquer destas idéias pode, por meio da reflexão, ser decomposta em partes que a enformam, que, como se poderá depois confirmar, resultam das impressões. Mais corroboração para esta explicação resulta da obser­vação de que um homem completamente cego de nascença seria inca­paz de imaginar a cor vermelha, uma vez que nunca tinha tido impres­sões visuais dessa cor. Similarmente, e de forma mais controversa, Hume declara que uma pessoa egoísta não seria capaz de formar uma idéia do sentimento de generosidade.

       No entanto, embora Hume defenda que o seu aperfeiçoamento da teoria das idéias de Locke poderá explicar a origem de qualquer idéia em particular, o filósofo assinala a existência de uma exceção a este princípio, constituída pelo tom de azul desconhecido. Alguém que tenha observado um vasto leque de tons de azul, pode nunca ter tido a impressão de certo tom em particular. Não obstante, essa pessoa pode formar uma idéia deste tom de azul desconhecido. Segundo a teoria de Hume, tal seria impossível visto esse indivíduo não possuir qualquer impressão simples à qual pudesse corresponder a idéia dessa cor. Contudo, não se revela excessivamente preocupado com este apa­rente contra-exemplo, uma vez que se trata de uma situação demasia­do excepcional para o levar a redefinir os seus princípios básicos em função dela.

[Warburton, Nigel (2001). Grandes livros de filosofia. Lisboa: Edições 70, pp. 98-99.]