Tudo o que é sólido desmancha no ar
Berman nasceu em Nova York. Estudou nas universidades de Columbia, Oxford e Harvard. Desde 1960 é professor de teoria política e urbanismo na City University, em Nova York. Na língua portuguesa temos editado além de Tudo o que é sólido desmancha no ar dois outros livros: Aventuras no marxismo (Companhia da Letras) e Um século em Nova York: espetáculos em Time Square (Companhia das Letras). Em 2001 falou em um encontro promovido pelas faculdades de Arquitetura e Letras da PUC/SP, poucos dias antes dos atentados das Torres Gêmeas.
Marshall Berman dedicou boa parte de sua vida à tentativa de decifrar o que é, enfim, modernidade.
O título da obra resenhada resume o pensamento do autor, ou seja, a modernidade é capaz de desfazer o que até então era “eterno”. Berman demonstra que a modernidade é um ambiente perigoso que une, mas paradoxalmente coloca o homem em um turbilhão permanente de desintegração aonde há contradições, lutas e muita angústia. Esse cenário é designado por ele como Modernidade.
O objetivo do autor é mapear as tradições oriundas desse ambiente para compreender como elas podem enriquecer a modernidade atual e detectar elementos que empobrecem o senso sobre o que é ou que possa ser a modernidade.
Sempre com o intuito de oferecer ao leitor subsídios que comprovem sua tese, Berman descreve o avanço das descobertas das ciências, indústria, dos movimentos sociais que transformam a sociedade acelerando o ritmo da vida particularmente no século XX, período mais intenso de tais mudanças. A análise que faz divide-se em três fases: (1) início do século XVI até o término do século XVIII; (2) Revolução Francesa e (3) século XX.
Berman explora a experiência e obra de Jean-Jacques Rousseau que teria sido o primeiro a usar a palavra moderniste ao estar profundamente envolvido e perturbado com a situação em que vivia a sociedade e sua época ao afirmar que ela estava a beira do abismo. Passando pelo século XIX, suas descobertas tais como ferrovias, novas indústrias, jornais, telégrafos entre outras aborda pensadores como Nietzsche, Marx entre outros. Ao citá-los fica evidente o peso de suas opiniões reforçando a linha de pensamento do autor. Para Nietzsche e Marx:
as correntes da história moderna eram irônicas e dialéticas: os ideais cristãos da integridade da alma e a aspiração à verdade levaram a implodir o próprio cristianismo. O resultado constitui os eventos que Nietzsche chamou de “a morte de Deus” e “o advento do niilismo” (p.31).
causando a crise de valores ambivalente as grandes possibilidades que o homem tem diante de si.
Em um breve resumo sobre Marx, o autor deixa bem claro seu pensamento. A modernidade chegou, porém desumanizou o homem e o escravizou, a classe dominante interessada no lucro oprime o homem, apesar dos avanços científicos e minam pela força a existência humana. Esses relatos certamente confirmam o desespero e a desestruturação do homem devido a tantos conflitos que permeiam a psique atual, demonstrada pela desumanização, banalização da vida e o caos social em que vivemos.
É no Manifesto do Partido Comunista que Marx expressa seus anseios e desilusões. Somente a classe operária, a nova classe, poderia absolver, digerir e se adaptar as novas ondas da modernidade, através da luta de classe.
Tempos depois seria a vez de Nietzsche abordar os problemas da modernidade. No turbilhão em que vive o homem, escreve em Além do Bem e do Mal (1882). A história para ele é como um guarda roupas no qual nenhuma vestimenta serve ao homem moderno. A única saída será o homem que viverá para além do tudo isso: o “Além do homem”. Outros vultos falariam a mesma linguagem.
No século XX, afirma Berman, nunca a arte, o teatro a dança, a arquitetura, a pintura, a poesia chegaram ao mundo, ou desenvolveram-se no passado. Ressalta, todavia, que o homem não sabe lidar com essa modernidade. Segundo o autor, essa perda de sentido culminou na Primeira Grande Guerra.
Passando pelos acontecimentos dos anos sessenta e setenta do século XX e fazendo uma retrospectiva do pensamento modernista Berman alerta sobre o perigo de desprezar tais pensadores como Marx, Nietzsche, Baudelaire e Dostoievski que conforme suas palavras sentiram o peso da modernidade. Voltar a tais mentes pode ajudar-nos a construir a modernidade hoje.
Nesta introdução Berman abre o leque para questão tão primordial para o homem pós moderno. Consegue trazer a luz fatos do passado que refletem em nosso viver hoje. Provoca no leitor o surgimento de questões que dizem respeito não só ao material, mas própria essência humana. É possível desprezar o passado como algo obsoleto e construir um futuro digno?
Em contra partida, Berman demonstra que houve aqueles que apostaram afirmativamente na modernidade como John Cage, Lawrence Alloway, Marshall McLuhan, Leslie Fiedler entre outros, ressaltando que tais pós modernistas, como se intitulavam, deixaram a desejar quando não trataram de modo crítico até onde esse novo caminho poderia chegar.
Berman sem dúvida alguma domina o assunto e suas consequências. O isolamento em que o homem passou a viver após 1970 é descrito em uma citação indireta de Leibniz, ao compará-lo às mônodas. Seria relevante citá-lo diretamente para que o leitor não familiarizado com a monodologia entendesse do que se trata.
Por último cita Michael Foucault em uma linguagem aparentemente Freudiana quando diz que as modernas tecnologias do poder controlam até mesmo os impulsos sexuais ornando a vida como seu maior objeto. Mais uma vez o tema liberdade aparece e no pensamento de Foucault é mera ilusão, pois quem faz parte do mecanismo da modernidade usufrui de seus efeitos e poder. O sonho de liberdade contra as injustiças que a era moderna trouxe consigo é mera utopia, pois tal tentativa colabora cada vez mais com a cadeia na qual estamos aprisionados, usando uma linguagem foucaultiana.
A modernidade perdeu-se para Berman e é incapaz de voltar às suas origens. Ao contrário dos modernistas do passado que contribuíram beneficamente para o desenvolvimento das ciências sem destruir o meio ambiente em que vivemos bem os vínculos emocionais, ou seja, nossa identidade dá-lhe a sensação de rumamos para um caos. A solução talvez para Berman seja voltar ao passado, aos primeiros modernistas ricos e vibrantes para que se crie novamente forças a fim de que o homem possa renovar-se para enfrentar o que está por vir.
Berman é capaz de sintetizar períodos da história fazendo, interrelacioná-los e acompanhar o desenvolvimento da tese principal. A linguagem é clara, fácil de ser lida mas ao mesmo tempo trás a profundidade necessária para estudantes e pensadores das diversas áreas do saber. A introdução é cativante, estimulante e altamente reflexiva para o ambiente filosófico. Tudo o que é sólido desmancha no ar é obra indispensável para se entender o passado, o presente tão turbulento e quiçá ter um lampejo do que nos aguarda.
BERMAN, Marshall. Tudo o que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. SP: Companhia das Letras, 2001, p. 25-49.
Bernardo Rafael de Carvalho Pereira
Terceiro Período de Filosofia
há 13 anos atrás
Parabéns, texto muito bom!
há 12 anos atrás
Parabéns pelo resumo, mto bom! Talvez devesse ter desenvolvido um pouco mais as vertentes dos anos 60, mas mesmo assim excelente!