Entrevista com Mark Rowlands
Mark Rowlands, 48 anos, é um tipo especial de pensador wittgensteiniano. Quase foi engenheiro, mas, reprovado, decidiu seguir seu instinto e conseguiu um título de doutor em filosofia em Oxford. Bon vivant, sua vida era uma festa sem fim, até que decidiu se isolar na Irlanda e escrever livros de filosofia, alguns deles lançados no Brasil, como Tudo o Que Aprendi Com a TV (Ediouro, 2008). A nova provocação de Rowlands é um livro original, O Filósofo e o Lobo (Editora Objetiva), em que relata a inusitada experiência de viver com um lobo por mais de uma década.
A principal lição que Brenin lhe ensinou não poderia ter aprendido nos livros de Nietzsche e Heidegger, seus mentores filosóficos. Brenin, que uivava em suas aulas quando elas se tornavam chatas, provocando risos dos alunos, ensinou a Rowlands a não pensar como primata, isto é, a ter experiências não baseadas no puro interesse. “Somos mais primatas que lobos”, diz ele, concluindo que a esperteza do símio, ditada por seu obtuso imediatismo – macacos só fazem algo se isso lhes trouxer algum benefício – não lhe servirá de nada na hora da morte. “No final”, diz ele, “o primata sempre nos deixará na mão”.
Dizem que você era um misantropo antes de dividir sua casa com Brenin, mas agora você está casado, tem um filho e um cão, Hugo, que parece não ter substituído o lobo. É muito diferente o seu relacionamento com Hugo?
Eu não era um misantropo antes de encontrar Brenin. Transformei-me num deles à medida que fomos convivendo. Suspeito que houve sempre um misantropo dentro de mim. Quanto às diferenças entre Brenin e Hugo, devo dizer que o lobo era muito mais calmo e sério que o cão , embora não pudesse deixar Brenin livre. Se isso acontecesse, minha casa amanheceria destruída. Lobos são como crianças: eles seguem você por todos o lugares e fazem tudo o que você faz. Por causa disso, eles acabam dominando sua vida.
Por que você preferia a companhia dos lobos? Havia, digamos, alguma coisa de espiritual entre você e Brenin? Você era feliz com ele?
Não penso muito em minha vida em termos espirituais. Acho que isso poderia suscitar equívocos. A felicidade é o que sempre foi e essa é uma ideia que desejei desenvolver no livro: ela não é tão importante assim.
Você faz uma distinção entre o modo de vida dos lobos e o dos primatas. Que parte nós deixamos para trás quando deixamos de ser macacos?
A oposição entre primatas e lobos é puramente metafórica. Não acho que tínhamos algum parentesco com lobos antes de sermos macacos ou alguma coisa do gênero. Somos, sim, mais primatas que lobos, porque os primeiros enxergam o mundo em termos de vantagens que podem tirar dele. O que você pode fazer por mim? Esta é a pergunta que o símio dentro de nós faz o tempo todo. E somos todos parecidos, em maior ou menor grau, embora os ardis dos símios quase sempre resultem em fiasco. É o que resiste do lobo em nós que compensa esses valores obtusos. Nossa inteligência, nossa moralidade e tudo o que nos distingue dos outros animais devemos, no entanto, ao macaco. Como dizem os primatólogos, herdamos do macaco sua maquiavélica inteligência para manipular pessoas e para o disfarce: o que de melhor temos vem, portanto, do pior. Temos de lembrar disso porque o macaco deixou essa marca indelével em nossos cérebros. Nossa inteligência é a inteligência dos macacos; nossa moralidade é moldada por eles.
Você diz que pretende criar uma filosofia original com O Filósofo e o Lobo, e não uma mera introdução filosófica, mas muitos pensadores antes de você tentaram o mesmo e acabaram criando uma ideologia. Quem são seus heróis filosóficos?
Nietzsche disse certa vez que um aluno recompensa mal seu professor quando permanece um aluno a vida toda. Por concordar com ele, não tenho heróis filosóficos. É o que precisamente ninguém precisa ter. Heróis resultam da fé – e uma das principais mensagens de meu livro é que atingimos nossa plenitude quando perdemos a fé.
Como deve ser um filósofo no século 21?
Cético e humilde – o que vem a dar no mesmo, no fim das contas. A coisa mais importante que aprendi nesses 30 anos de filosofia é que não sei muita coisa. Essa foi também a lição que Sócrates aprendeu há mais de dois mil anos, sobre a qual devemos refletir mais do que em qualquer outra época. No entanto, é raro ouvir hoje alguém ter a humildade de assumir: ‘Não tenho o direito a uma opinião por não ter refletido muito a essa respeito.’
Como você vê a religião e a política?
Ambas lidam com a fé. Ambas funcionam prometendo um futuro que certamente não podem garantir. Devemos sempre lembrar que a fé é o carro usado em oferta da existência humana: atraente, mas nada confiável.
Fonte: Estadao.com.br