Nascimento e Morte do Mal
É famosa a reflexão dos epicuristas gregos sobre o mal.
O Epicurismo é um sistema filosófico ensinado por Epicuro de Samos, filósofo ateniense do século IV a.C. e seguído depois por outros filósofos, chamados epicuristas. Epicuro propunha uma vida de contínuo prazer como chave para a felicidade, esse era o objetivo de seus ensinamentos morais. Para Epicuro, a presença do prazer era sinônimo de ausência de dor, ou de qualquer tipo de aflição: a fome, a abstenção sexual, o aborrecimento, etc.
Para os epicuristas existe uma radical incompatibilidade entre a existência de Deus e a do mal. Diziam eles que “Deus, ou não quer eliminar o mal ou não pode, ou pode e não quer, ou não quer nem pode, ou quer e pode. Se quer e não pode, é impotente, o que não convém a Deus; se pode e não quer, é malévolo, o que também é incompatível com a ideia de Deus; se não quer nem pode, não é Deus. Enfim, se quer e pode, o que corresponde à ideia de Deus, de onde procedem os males da vida e por que ele não os elimina?” Em suma: a existência do mal parece incompatível com a onipotência e a bondade de Deus, ou seja, com a ideia de um Deus onipotente e infinitamente bom”. (MAC DOWELL, J.A. Investigação filosófica sobre Deus. Belo Horizonte: FAJE, 2008).
Logicamente Deus é onipotente e infinito em bondade, quer e pode eliminar o mal, contudo a responsabilidade pela entrada do mal no mundo é do próprio homem, que, ao utilizar seu livre-arbítrio da vontade, deixou-se seduzir por aquele que criou o mal (um anjo decaído chamado de Satanás ou Lúcifer), e assim, a humanidade resolveu seguir um caminho de separação de Deus, e como bem ensina as sagradas escrituras, “o salário do pecado é a morte” (Romanos 6, 23).
Para Santo Agostinho (354-430), escritor, teólogo, filósofo, padre, bispo e Doutor da Santa Igreja Católica, “esta sedução se deu através do orgulho, principal fonte de toda má opção. A este pecado o demônio acrescentou a inveja, a mais odiosa, até persuadir ao homem esse mesmo orgulho, em razão do qual ele tinha consciência de ter sido condenado” (AGOSTINHO, Santo, bispo de Hipona, 354-430. O livre arbítrio. São Paulo: Paulus, 1995. [Patrística]. Livro III, terceira parte, cáp. 25, 76, p.240).
A inveja do demônio em relação a Deus foi passada às criaturas humanas pela persuasão e sedução.
“E vós sereis como deuses” (Gênesis 3, 5).
Como dizem as Sagradas Escrituras:
“O orgulho é o começo de todo pecado e “o início do orgulho humano é afastar-se de Deus” (Eclesiástico 10,12-13).
A partir desta decisão humana, que foi respeitada por Deus, o corpo do homem passou a ser revestido de mortalidade, fato contrário à vontade de Deus, que desejava que Sua criação humana estivesse em comunhão com Ele desde o início no paraíso.
Porém, o Senhor, na sua infinita misericórdia, demonstrando todo o Seu poder de eliminar o mal, enviou seu próprio Filho Jesus para nos resgatar do poder do inimigo. Assim, todo aquele que Nele crer vencerá a morte e ressuscitará em um corpo celestial e imortal.
A vinda de Jesus Cristo é o início dos planos de Deus para eliminar o mal do mundo, e este projeto se consumirá somente quando for de Sua vontade (e não no momento que os homens quiserem), quer dizer, no dia do juízo final, na ocasião em que o mal for totalmente e definitivamente derrotado.
Santo Agostinho em sua obra O Livre-Arbítrio (De Libero Arbitrio) faz uma reflexão profunda sobre a origem e a derrota do poder maligno. Ele diz que quando os homens decidem ser submissos ao Senhor, o demônio passa a não ter mais nenhum poder sobre eles.
“É porque o Verbo de Deus, o Filho único de Deus, que sempre teve e sempre terá o demônio submetido às suas leis, tendo se revestido de nossa humanidade, submeteu igualmente o demônio ao homem. Para isso, nada lhe exigiu com violência. Mas venceu-o pela lei da justiça. Posto que o demônio, tendo enganado a mulher e feito cair o homem por meio dela – certamente animado pelo desejo perverso de causar dano, entretanto com todo direito -, pretendia submeter à lei da morte todos os descendentes do primeiro homem, a título de pecadores” (AGOSTINHO, Santo, bispo de Hipona, 354-430. O livre arbítrio. São Paulo: Paulus, 1995. [Patrística]. Livro III, segunda parte, capítulo 10, p.185).
Interessante notar neste texto como procede a justiça de Deus. Ele é sempre justo e fiel, e não poderia deixar de sê-lo nem mesmo com o demônio, que através da desobediência do homem, adquiriu o direito de submeter toda a humanidade à morte do corpo e à prisão eterna de sua alma imortal (o que chamamos de inferno).
“Em consequência, esse poder não deveria perdurar senão até o dia em que o demônio poria o Justo [JESUS] à morte, Àquele em quem nada podia encontrar digno de morte. E Ele, não somente foi condenado à morte, sem crime algum, como também nasceu sem concupiscência alguma, pela qual o demônio subjugava a todos os seus cativos, como frutos de sua árvore. Isso sem dúvida levado por um desejo muito perverso. Não obstante, sem lhe ter faltado certo direito de propriedade. Por conseguinte, é com toda justiça que o demônio está constrangido a libertar aqueles que creem naquele a quem submeteu à morte injustamente. Desse modo, se os homens morrem de morte temporal, que essa morte seja para liquidar sua dívida; e se vivem da vida eterna, que seja para viver naquele [JESUS] que pagou por eles uma dívida que ele próprio não tinha. Para aqueles, porém, a quem o demônio tiver persuadido de perseverar na infidelidade, com direito ele os terá como companheiros na danação eterna. Assim, pois, aconteceu que o homem não foi arrancado por violência ao demônio, tal como este não havia se apropriado por violência ao homem, mas por persuasão. Dessa maneira, foi submetido o homem que com direito havia sido humilhado, a ponto de se tornar escravo daquele a quem dera o consentimento para o mal. Com direito, também foi liberado por Aquele a quem dera consentimento para o bem. Isso porque o homem fora menos culpado consentindo ao mal do que o demônio a persuadir a fazê-lo” (idem, p.185-186).
Esta é a justiça de Deus, que não pode eliminar o mal do mundo de uma vez só, de forma abrupta, violenta, mas somente através do respeito à liberdade humana, que Ele mesmo criou.
“Visto que o demônio apresentou-se ao homem como exemplo de orgulho, o Senhor apresentou-se a nós [pela encarnação de JESUS] como exemplo de humildade e com a promessa de vida eterna” (AGOSTINHO, Santo, bispo de Hipona, 354-430. O livre arbítrio. São Paulo: Paulus, 1995. [Patrística]. Livro III, terceira parte, cáp. 25, 76, p.240).
Rogério de Paula e Silva
Disciplinas isoladas – Filosofia